Era a época dos dois canais da RTP e em que a televisão por cabo era quase ficção científica.
No inverno os jogos começavam às três da tarde e no verão eram às cinco, não tinha nada que enganar! À noite, só em jogo com os "grandes" e tinha de ser o escolhido para ser o único que era transmitido em cada jornada no 2º canal. Mas esses, eram muito poucos, e isso também os tornava especiais!
Estávamos na época em que os árbitros auxiliares eram os "bandeirinhas" e os os mais velhos nos lembravam que o futebol tinha sido inventado pelos ingleses quando lhes gritavam:
- Não vês que o gajo está "offside"? Ó seu ##%$&§&$ !!!!!
Basicamente, Domingo era futebol. Até à hora do jogo, "matávamos" o tempo a jogar lá no bairro, enquanto nos imaginávamos na pele dos craques. Eu era o Radi, claro, mas havia que preferisse ser o Slavkov e ás vezes lá éramos obrigados a ser o Fonseca, quando tínhamos que ir à baliza!
Naquele campo que era uma estrada asfaltada (ou de "piche", como alguns lhe chamavam), as horas iam passando entre interrupções para que os carros passassem e eternas discussões sobre se a bola tinha entrado ou não, depois de bater numa das pedras que faziam de baliza:
- Não entrou nada, passou por cima da pedra!
- És maluco? bateu na pedra e entrou!
Sabíamos a hora do jogo estava a chegar à medida que ia passando cada vez mais gente de cachecol ao pescoço, daqueles de "lã" com o G.D. CHAVES impresso a tinta e umas franjinhas nas pontas! Havia também uma versão em seda que fez sucesso!
Começava também a ouvir-se lá ao fundo, o quase imperceptível som (ruído seria uma definição mais apropriada!) das "cornetas" de donde invariavelmente saia este anúncio da boca do "speaker":
"Se vai para o mar prepare-se em terra, se vai para a estrada prepare-se na oficina ......!!!!" (infelizmente não me lembro do nome da oficina, ou talvez nunca o tenha percebido realmente, tal era a qualidade do som!).
Era sinal de que estava na hora, para mim tinha acabado a brincadeira e era tempo de ir até ao Municipal, para atalhar, atravessava pelo descampado da feira, por entre os carros estacionados, onde por vezes se viam senhoras de meia-idade, ás vezes com os filhos, a tricotar qualquer coisa. Eram as mulheres dos adeptos da equipa visitante, quem sabe vindos de Covilhã, talvez até de Elvas! Lembro-me de ficar a pensar o que levava aquelas almas a ficar ali fechadas, à espera dos maridos, durante duas horas.