quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Dias de Tempestade

Sexta-feira, 20 de Dezembro de 1996. Chaves.
Olho para as paisagens desenhadas nos painéis de azulejos da estação sem realmente as ver. Levanto a cabeça na direcção do enorme relógio que emerge da parede. Posso jurar que o ponteiro mais comprido devora os minutos mais depressa do que é costume. Não vou chegar a tempo. Por fim a voz do costume, "...senhores passageiros, vai dar entrada na linha número um, o comboio regional com destino a Porto-Campanhã...". Ponho a mochila ás costas e salto para dentro da carruagem. O comboio insiste em parar em infinitas estações e apeadeiros com pouca pressa em chegar ao destino. Campanhã. Troco de "diligência" até São Bento. Corro pela Rua Sá da Bandeira,  para não perder o autocarro, desta vez sem reparar na fachada que diz que o melhor café é o d'A Brasileira. Chego a Chaves. Sou recebido por uma chuva miudinha. A imponência do Castelo obriga-me a olhar de relance para ele. Atravesso a Cidade. Paro em casa para "despejar" a mochila. Sai-me apenas um "tudo bem? vou ver o jogo". Como resposta ouço um "vais assim....não comes nada?". Agarro qualquer coisa para comer e já estou a sair. Ainda me chega aos ouvidos um "Olha que está a chover! leva o guarda-chuva". Não levo. Avisto a  parede de pedra do estádio e ganho fôlego para continuar em passo de corrida. A chuva ganha mais força. Uma cara atrás de uma abertura com rede metálica diz-me o preço dos bilhetes. Topo Sul é o mais barato. Contorno o estádio já com a roupa encharcada colada ao corpo. O jogo já começou. Devo ter perdido dez ou quinze minutos. Encosto-me á parede na esperança de que assim a chuva se esqueça de mim. Devia ter trazido o guarda-chuva. Alguém me oferece abrigo debaixo do seu. Aceito. Como se ainda valesse a pena. No relvado, uma batalha. Onze guerreiros de azul-grená, onde se inclui um armada espanhola, combatem um exército de onze verdibrancos. O dilúvio e o frio do inverno transmontano que os castiga transformam o jogo numa batalha épica. Não há golos. Minuto setenta e seis. Junto à linha de meio-campo, levanta-se a placa "7". Ricardo, de leão ao peito, abandona o campo pelo lado oposto, directamente para a "cabine" dos visitantes. "Gooolooooo". Parte do estádio levanta-se eufórico. Á minha frente, da entrada para os balneários, em voo, punho no ar, como se de uma figura de banda desenhada da japonesa Manga se tratasse, emerge novamente Ricardo. Rebelde, visceral, excessivo. Em frente, a claque azul-grená, incendiada pela provocação. Ricardo continua. Dentes cerrados, agora com os pés fincados no chão, joelhos flectidos e os dois punhos para a frente, apertados. É o que mais festeja. Como se a sua vida dependesse daquela bola ter entrado na baliza. Não há dúvida que tem coração de leão. Dirijo a atenção novamente para a relva. O árbitro gesticula. O golo não vale, é anulado. A claque flaviense tem a sua vingança, esta servida ainda a quente. A rede que separa aquela fúria transmontana do relvado abana com a força dos braços revoltados, com a raiva dos protestos contra o jogador. Ricardo desaparece novamente no túnel. A "batalha" termina. Zero a Zero.

Quinta-feira, 16 de Fevereiro de 2012. Varsóvia.
O meu pé pressiona o acelerador um pouco mais. Não vou chegar a tempo. Já há equipas. A voz que sai do rádio avisa que à neve e estão seis graus negativos na Polónia. Chego a casa. Ligo a televisão. Devo ter perdido dez ou quinze minutos. Os polacos equipam de verde com um "L" ao peito e os leões equipam totalmente de preto. Os adeptos da casa servem-se das costas do guarda-redes verdibranco como alvo para atirar bolas de neve. Junto à linha lateral, sempre em pé, uma cara conhecida, pronta para mais uma batalha. Ricardo gesticula para dentro do campo com a mão que resiste à temperatura abaixo-de-zero sem luva. Traça linhas imaginárias no ar e por momentos os seus dedos são jogadores. Intervalo. Os polacos ganham por um a zero. Ricardo coloca em campo dois miúdos da Academia. Minuto sessenta. Um dos que colocou ao intervalo marca golo e empata. Ricardo desaparece debaixo de uma nuvem de abraços. Passados alguns minutos lança em campo outro "produto" de Alcochete. Os polacos, mais preparados para este tipo combate, voltam a marcar. A dois minutos do fim, o rapaz de cabelos compridos que entrara pouco antes marca um golo de "bandeira". Enquanto corre para festejar, bate com a mão junto ao emblema. Num gesto conhecido, Ricardo cerra os dentes enquanto aperta os dois punhos num gesto de satisfação pelo golo do seu clube. Não há duvida que tem coração de Leão.


(foto: http://sporting.blogs.sapo.pt/)

1 comentário:

  1. Sou Portista, mas admiro Sá Pinto e a sua RAÇA, o seu Amor, o seu Coração pelo Sporting.
    São Homens destes k fazem do futebol uma maravilha....

    Abraços

    ResponderEliminar